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quinta-feira, 16 de julho de 2009

Parte I




Impossível envergonhar-me de ser homem.


Tenho rins e eles me dizem que estou vivo.


Obedeço a meus pés


e a ordem é seguir e não olhar à frente.


Minúsculo vivente entre rinocerontes


me reconheço e falho


e insisto.


E insisto porque insistir é minha insígnia.


O meu brasão mostra dois pés escalavrados


e sobram-me algumas forças: sei-me fraco


e choro.


E choro e nem assim me excedo na postura humana:


sofro o corpo inteiro, pendo e não procuro


a arma em minhas mãos.


Sei que caminho. É só.


Joelhos curvam-se, amaziam ao chão que queima


e me penetra e eu decido que não posso


envergonhar-me de ser homem.


A criança antiga é dique barrando o meu escôo


e diz que não, não me envergonhe.


Não me envergonho.


Tenho rins mãos boca orgão genital e


glândulas de secreção interna:


impossível.


No entanto sinto medo


e este é o meu pavor.


Por isso a minha vida, como o meu poema,


não é canto, é pranto


e sobre ela me debruço


observando a corcunda precoce


e os olhos banzos.
 
#Torquato Neto