É o que acontece conosco? Uma vida de conflitos sem tempo para amigos, então, quando chegamos ao fim, apenas nossos inimigos deixam rosas. Vidas violentas terminadas violentamente. Nunca morremos dormindo. Não é permitido. Algo na nossa personalidade, talvez? Algum impulso animal fazendo de nós o que somos? Não é importante. Fazemos o que deve ser feito. Outros enterram suas cabeças entre as tetas inchadas da indulgência e da gratificação, leitões procurando abrigo debaixo de uma porca, mas não há abrigo e o futuro se avista como um trem expresso. Blake entendia, tratava tudo como uma piada, mas entendia. Ele viu a verdadeira face do século XX e escolheu se tornar um reflexo, uma paródia desses tempos. Ninguém mais viu a piada. Por isso sua solidão. Ouvi uma piada uma vez: Homem vai ao médico. Diz que está deprimido. Diz que a vida parece dura e cruel. Conta que se sente só num mundo ameaçador onde o que se anuncia é vago e incerto. Médico diz: “Tratamento é simples. O grande palhaço Pagliacci está na cidade. Assista ao espetáculo. Isso deve animá-lo.” O homem se desfaz em lágrimas e diz: “Mas doutor... eu sou Pagliacci.” Boa piada. Todo mundo ri. Rufam os tambores. As cortinas descem.
(Watchmen – Alan Moore)
Lembrar? Oh, eu não faria isso! Lembrar é perigoso... Eu vejo o passado como um lugar cheio de ansiedade. O “pretérito imperfeito” como você chamaria. As lembranças são traiçoeiras! Num instante você está perdido num carnaval de prazeres, com o aroma da infância, os neons da puberdade... No outro, elas te levam a lugares que você não quer ir, onde a escuridão e o frio trazem à tona coisas que você gostaria de esquecer! As lembranças podem ser vis, repulsivas, brutais... Como crianças. Mas podemos viver sem elas? A razão se sustenta nelas. Não encarar as lembranças é o mesmo que negar a razão. Mas e daí? Quem nos obriga a ser racionais? Não há cláusula de sanidade! Assim, quando você estiver dentro de um desagradável trem de recordações, seguindo pra lugares do seu passado onde o risco é insuportável... Lembre-se da loucura. Loucura é a saída de emergência! Você só precisa dar um passo pra trás e fechar a porta com todas aquelas coisas horríveis que aconteceram, presas lá dentro... Para sempre.
(A Piada Mortal - Alan Moore)